terça-feira, junho 29, 2010

O fim do conhecimento


SÃO PAULO - Armazenamos nossos dados em formatos digitais cada vez mais frágeis e efêmeros. Se a energia acabar, podemos perder grande parte deles.


No 15º dia do mês XI, Vênus desapareceu no oeste, e por três dias ficou longe no céu. No 18º dia do mês XI, Vênus tornou- se visível no leste.” O que é notável sobre estas observações de Vênus é que elas foram feitas cerca de 3 500 anos atrás, por astrólogos da Babilônia. Nós as conhecemos porque uma tábua de argila com essas observações, conhecida como a Tábua de Vênus de Ammisaduqa, foi feita 1 000 anos mais tarde e sobreviveu desde então praticamente intacta. Hoje, ela pode ser vista no Museu Britânico, em Londres.

Nós, é claro, temos conhecimentos jamais sonhados pelos babilônios. Não nos limitamos a observar Vênus de longe, enviamos naves até lá. Nossos astrônomos agora observam planetas que orbitam sóis alienígenas e desafiam limites do tempo e do espaço, voltando até mesmo ao início do próprio universo. Nossos industriais estão transformando areia e óleo em máquinas cada vez menores e mais sofisticadas, uma forma de alquimia mais maravilhosa do que qualquer alquimista jamais sonhou. Nossos biólogos estão experimentando com receitas para a própria vida, ganhando poderes antes atribuídos somente aos deuses. No entanto, à medida que adquirimos conhecimentos cada vez mais extraordinários, também os armazenamos em formas cada vez mais frágeis e efêmeras. Se nossa civilização se encontrasse em apuros, como todas as outras que vieram antes, quanto disso tudo iria sobreviver? Evidentemente, se deparássemos com uma catástrofe que acabasse com todos os seres humanos, como um gigantesco asteroide, isso seria irrelevante. Mesmo se outra espécie inteligente evoluísse na Terra, quase todos os outros traços da humanidade teriam desaparecido há muito tempo.

Vamos supor, no entanto, um evento menos cataclísmico, em que muitos edifícios permanecessem intactos e um número suficiente de pessoas sobrevivesse para reconstruir a civilização depois de algumas décadas ou séculos. Suponha, por exemplo, que o sistema financeiro global desmorone, ou um novo vírus mate a maioria da população do mundo, ou uma tempestade solar destrua a rede de energia da América do Norte. Ou suponha que haja um declínio lento decorrente de um aumento brusco nos custos de energia, agravado por desastres ambientais. A crescente complexidade e interdependência das sociedades está tornando as civilizações cada vez mais vulneráveis a tais eventos.
Ingrediente secreto

Seja qual for a causa, se a energia dos computadores que armazenam a maior parte do conhecimento da humanidade hoje fosse cortada, e se as pessoas parassem de cuidar deles e dos edifícios em que eles estão abrigados, e se as fábricas deixassem de produzir novos chips e discos, por quanto tempo todo o nosso conhecimento sobreviveria? Quanta informação os sobreviventes de um desastre como esse seriam capazes de recuperar, décadas ou séculos depois? Mesmo na ausência de qualquer catástrofe, a perda de conhecimento já é um problema. Estamos gerando mais informações do que nunca, e armazenando-as em meios cada vez mais transitórios. Muito do que está sendo perdido não chega a ser essencial — as gerações futuras provavelmente vão sobreviver sem as fotos e vídeos que você perdeu quando seu disco rígido morreu —, mas uma parte é. Em 2008, por exemplo, verificou-se que os Estados Unidos tinham “esquecido” como fazer um ingrediente secreto das ogivas nucleares chamadas Fogbank. Registros adequados não haviam sido mantidos e todo o pessoal chave se aposentou ou deixou a agência responsável. O fiasco acabou acrescentando 69 milhões de dólares ao custo do programa de renovação da ogiva.

Se ficarmos sem energia por um período prolongado, o legado da humanidade dependerá em grande parte do disco rígido, a tecnologia que funciona como memória funcional de nossa sociedade. Tudo está nos discos rígidos, em geral localizados em salas cheias de servidores conhecidas como data centers. Os discos rígidos nunca foram destinados ao armazenamento de longo prazo, portanto não são submetidos aos testes usados para estimar a vida útil de formatos como o CD. Ninguém tem certeza de quanto tempo eles vão durar. Kevin Murrell, do museu nacional da computação, no Reino Unido, ligou recentemente um disco rígido de 456 megabytes que tinha sido desativado desde o início de 1980. “Não tivemos nenhum problema para extrair os dados dele”, diz.




Fonte: http://info.abril.com.br/

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