As camadas de sal na Bacia de Santos são muito espessas, chegando em alguns lugares a cinco mil metros. São plásticas, móveis e heterogêneas, contendo tipos diferentes de sal, mudando de posição à medida que as perfurações são realizadas. "Perfurar esses reservatórios de pré-sal implica desafios gigantescos", observaram os engenheiros da Petrobrás durante a Offshore Technology Conference (OTC), em Houston. "De todos esses desafios, o deslizamento do sal é o mais comum e mais difícil de administrar." As camadas de sal são tão instáveis que podem engolir as brocas de perfuração e derrubar a carcaça que envolve o tubo de perfuração. "Os reservatórios de microcarbonatos ainda são pouco conhecidos", disse um engenheiro veterano. "O petróleo sai do reservatório muito quente para chegar a um ambiente frio, com apenas 4º centígrados, e congela para virar cera, bloqueando o tubo, a menos que produtos químicos especiais sejam adicionados e esse tubo seja continuamente lubrificado." A instabilidade das camadas de sal impede a perfuração horizontal para aumentar a recuperação dos reservatórios imediatamente abaixo do sal.
Na superfície do oceano existem mais problemas logísticos e de engenharia. "Nas descobertas de pré-sal, temos dois tipos de problemas logísticos", disse o presidente da Petrobrás, José Sérgio Gabrielli, numa entrevista. "O primeiro tem a ver com pessoas, e é um problema de distância. Na Bacia de Campos, agora nossa principal área de produção, fazemos 60 mil viagens de helicóptero ao mês para transportar pessoas entre as plataformas e a costa. Mas os blocos de pré-sal na Bacia de Santos podem estar a uma distância de 300 quilômetros, longe demais para transportarmos tanta gente por helicóptero. Assim, precisamos, em primeiro lugar, reduzir o número de pessoas trabalhando nas plataformas e aumentar a automação.
Precisamos colocar plataformas a meio caminho entre a costa e as descobertas de pré-sal para servirem como centros logísticos e também como dormitórios, de modo que os trabalhadores que chegam por barcos possam ser distribuídos por helicópteros para as plataformas de produção depois de passarem a noite no centro logística. O segundo problema é a entrega de material para as operações em alto-mar. É preciso transportar produtos químicos, máquinas, eletricidade.
Provavelmente teremos plataformas especiais para geração de eletricidade e outras para a mistura de substâncias química para os fluidos de perfuração."
Guilherme Estrella, diretor de exploração e produção da Petrobrás, imagina 50 plataformas operando na área das descobertas iniciais, cada uma consumindo 100 megawatts de eletricidade, totalizando 5 mil megawatts de capacidade, gerada por 200 turbinas movidas a gás, o equivalente ao consumo de energia na região da Grande São Paulo, com aproximadamente 20 milhões de habitantes. Na Bacia de Santos, bases para grandes frotas de helicópteros e navios de apoio devem mudar a ecologia do litoral, com o porto de Santos se tornando um novo centro de gerenciamento das explorações em alto-mar.
Uma dificuldade para criar essas plataformas logísticas é garantir a estabilidade em mar agitado para permitir a atracação segura, como também a chegada e saída de navios e helicópteros. "Já nos ofereceram até porta-aviões para servir como centros," disse José Formigli, diretor de operações do pré-sal da Petrobrás. "Mas os porta-aviões têm o mau hábito de virar de um lado para outro. Sua carcaça é fina, pois têm de ter velocidade, e assim, quando estão parados, eles balançam e os helicópteros não conseguem aterrissar."
A Petrobrás enfrenta desafios de engenharia para aumentar a produção além dos 20 mil barris diários obtidos no teste realizado no seu campo de Tupi, rebatizado Lula, e além dos 100 mil barris diários no projeto-piloto com um barco perfurador em Angra dos Reis, que começou a operar em outubro de 2010. Uma nova expansão desse cluster vai exigir a instalação de mais 10 plataformas em 2016. Um gasoduto no leito do mar enviaria o gás a 300 quilômetros para o Terminal de Cabiúnas, no Estado do Rio de Janeiro. A Petrobrás avalia a possibilidade de liquidificar o gás natural em alto-mar, para exportar.
O cluster do campo de Lula é só uma das várias descobertas sendo avaliadas. Na conferência da OTC em Houston, em 2009, José Formigli, diretor de operações do pré-sal, explicou porque a Petrobrás precisa inovar para desenvolver o cluster do pré-sal, por causa da escala de produção e das "características singulares" da área: águas ultraprofundas, locais remotos, contaminantes na produção dos fluidos, alto conteúdo de gás, etc". Um grande obstáculo, disse Formigli, é a falta de espaço nos deques de superpetroleiros convertidos (FPSOs), usados como plataformas de produção, por causa da quantidade de equipamento especial necessário para separar e processar o gás natural contido no óleo cru, remover contaminantes e recolocar grandes quantidades de gás, dióxido de carbono e água de volta no reservatório para manter a pressão do poço. Por isso, a indústria procura instalar mais equipamentos no leito do mar.
Formigli comparou a escala de produção no imenso campo de Lula com a do campo gigante de Marlim, na Bacia de Campos, que produzia 645 mil barris diários em 2002, mas declinou para menos de 300 mil em 2010. Enquanto o campo de Marlim foi desenvolvido com sete plataformas, ou FPSOs, produzindo 130 poços, o campo de Lula precisaria de 15 a 25 FPSOs alimentados por 2 mil poços, usando os mesmos conceitos de desenvolvimento do campo de Marlim, "o que resultaria em projetos não econômicos".
Um estudo feito pelo banco de investimentos Credit Suisse alertou para os ganhos decrescentes das novas descobertas, uma vez que a base de recursos da Petrobrás "cresceu a tal ponto que as descobertas marginais têm um valor muito baixo, uma vez que os campos existentes já são suficientes para garantir uma reserva com mais de 50 anos de vida". Mas as estimativas das reservas, a partir de dados nebulosos sobre as novas descobertas na Bacia de Santos, variam muito. Estão baseadas em informes de duas consultoras internacionais divulgados pouco antes da capitalização de US$ 67 bilhões da Petrobrás, em setembro passado, num ambiente pré-eleitoral muito politizado.
As descobertas no pré-sal parecem alimentar muitos mitos. Que escondem questões inquietantes. José Gabrielli declarou em reuniões públicas que o programa de investimento da Petrobrás para 2010-2014, de US$ 224 bilhões, está absorvendo anualmente um décimo da formação de capital fixo bruto do Brasil, num país com uma das mais baixas taxas de investimento público na América Latina. O Brasil precisa realmente investir no pré-sal nessa rapidez e escala? Esses investimentos acelerados não criarão distorções por si sós? Esses investimentos no petróleo são mais importantes para o futuro do país do que investir mais em escolas, portos, aeroportos, geração e transmissão de energia elétrica, comunicações, saneamento básico e infraestrutura de transporte? Futuros artigos desta série abordarão algumas dessas questões.
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