Técnicos da FGV sugerem que, além de eleger
objetivos claros, o governo estabeleça portas de saída, com metas a serem
checadas ao longo do tempo
Rio de Janeiro (RJ) - A
decisão da Petrobras, sob inspiração de Maria das Graças Foster, sua nova
presidente, de rever as metas do seu Plano Estratégico, reduzindo, por exemplo,
a meta de produção de petróleo de 4,91 milhões para 4,2 milhões de barris em
2020, significou uma admissão de que a companhia não está conseguindo contratar
equipamentos críticos necessários para ampliar sua produção no tempo
previsto.
A "confissão" de Foster abre espaço para a
rediscussão da estratégia nacional para o setor que, em última instância, pode
vir a ser uma referência para o conjunto da indústria. Pesquisadores do
Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getúlio Vargas (FGV) propõem
um debate sobre qual a melhor forma de concretizar a política de conteúdo local
de modo a obter o máximo de ganhos econômicos e tecnológicos com a exploração e
produção de óleo no pré-sal.
Sem contestar a validade de o país ter ou não
uma política industrial baseada na exigência de conteúdo nacional na produção de
bens e de equipamentos, eles apresentaram com exclusividade ao Valor um estudo
no qual propõem que o programa tenha objetivos específicos de produção própria,
baseados nos equipamentos que mais estimularem o desenvolvimento tecnológico,
abrindo o restante à competição internacional.
O trabalho, elaborado pelo pesquisador Maurício
Canêdo Pinheiro, foi também apresentado por Luiz Guilherme Schymura, diretor do
Ibre, Marcio Lago Couto, superintendente, e Armando Castelar, coordenador-geral
de pesquisa econômica aplicada.
"Apostar na verticalização pode funcionar.
Difícil é [ter] escala para fazer tudo", argumenta Schymura. Os técnicos da FGV
sugerem que, além de eleger objetivos claros, o governo estabeleça portas de
saída, com metas a serem checadas ao longo do tempo, de modo a assegurar que ao
final do período estabelecido a indústria tenha alcançado competitividade
internacional e elevado grau de desenvolvimento tecnológico, espalhando sua
influência benéfica para outros setores da indústria. Sem isso, concordam os
pesquisadores, o Brasil corre o risco de ter uma indústria onde tudo será,
naturalmente, 25% ou 30% mais caro, sem promover ganhos de eficiência que
permitam a essa indústria competir globalmente.
No estudo apresentado, Pinheiro ressalta que
políticas de estímulo a conteúdo local trazem benefícios, como geração de
emprego e renda nos setores encadeados, mas trazem também ônus decorrentes da
proteção assegurada, como o aumento de custos na exploração e produção de
petróleo e gás. O saldo será positivo "se os benefícios são perenes e os custos
transitórios", frisa Pinheiro, arrematando que "política industrial tem que ser
transitória". Shimura acrescenta que o difícil, nesse caso, é "funcionar na
escala de fazer tudo".
A Noruega, na própria indústria de
hidrocarbonetos, e a Coreia do Sul, que usou como uma alavanca do seu
desenvolvimento a indústria de construção naval, foram os exemplos de políticas
industriais bem-sucedidas apresentados pelo pesquisador da FGV. Em ambos os
casos, o trabalho sustenta, não foi interposta "nenhuma barreira à importação de
insumos ou regra de conteúdo local mínimo".
No caso sul-coreano, a meta de tornar a
construção naval internacionalmente competitiva foi implantada com criação de
demanda doméstica, crédito subsidiado direcionado para investimento e
exportação, além de subsídios e isenções fiscais para investimentos em Pesquisa
e Desenvolvimento (P&D), tudo apoiado em metas claras de exportações e na
redução gradual da proteção.
No caso norueguês, diz o trabalho, o objetivo
de fomentar a cadeia de óleo e gás com ênfase em tecnologia também passou por
subsídios e isenções fiscais para P&D e pelo incentivo, mas sem obrigação,
do uso de fornecedores locais. Foram fomentadas parcerias com empresas
estrangeiras para a absorção de tecnologia.
O exemplo negativo veio também da indústria
naval e de uma experiência brasileira, a tentativa de desenvolver o setor nas
décadas de 1960 e 1970, um fracasso retumbante que resultou no fechamento de
praticamente todos os estaleiros existentes na época. Segundo o trabalho da FGV,
a ênfase para o desenvolvimento foi o mercado doméstico (foi criada reserva de
mercado de cargas de e para o Brasil para a marinha mercante nacional) com
crédito subsidiado.
No caso da indústria atual de fornecedores para
o setor de óleo e gás, Pinheiro ressaltou que ela tem baixa inserção
internacional, com apenas 25% das empresas atuando como exportadoras, sendo que
grande parte delas exporta menos de 10% da produção. O trabalho ressalta ainda
que a política de conteúdo local para o setor não pode ser usada como substituta
de políticas que tragam benefícios para a atividade econômica como um todo
(horizontais), como racionalização da carga tributária, investimentos maciços em
educação e em infraestrutura.
"O Brasil até tem sorte porque a descoberta do
petróleo [em larga escala] veio depois que o país conseguiu se diversificar",
ressaltou Pinheiro, lembrando que em outros países, como Venezuela e Nigéria, o
petróleo vem afirmando a chamada "maldição das matérias-primas" que funciona
como espécie de barreira ao desenvolvimento da economia como um todo.
Castelar disse que, mesmo com uma indústria
diversificada, o Brasil não está imune à chamada "doença holandesa" (referência
à desindustrialização sofrida pela Holanda após a descoberta de gás natural nos
anos 60) por conta do estímulo concentrado no setor petróleo. Na economia, os
sintomas dessa doença são a entrada vertiginosa de dólares obtidos com a venda
de commodities e financiamento a investimentos que apreciam o câmbio e afetam a
competitividade da indústria local.
Castelar destaca que, com uma movimentação de
recursos da ordem de US$ 400 bilhões até 2020 - o BNDES estima que, para cada
dólar investido pela Petrobras, será investido algo entre US$ 1,6 e US$ 2 pelos
fornecedores, sem contar as outras empresas que operam no país - o setor poderá,
por meio da atração de recursos externos para financiar parte dos investimentos,
provocar a elevação da taxa de câmbio, retirando a competitividade de outros
setores.
Fonte: Valor Econômico