Roberto Viana, dono da Petra Energia e um dos empresários mais discretos do setor de óleo e gás do Brasil, saiu em defesa de seu sócio Eike Batista. Avesso a entrevistas, ele quebrou o silêncio para falar sobre o sócio, que enfrenta uma crise de credibilidade em função de metas de desempenho não cumpridas pela OGX na Bacia de Campos. E respondeu a perguntas sobre o atual momento das empresas do setor, cujas ações estão perdendo valor, sob críticas de investidores.
Viana tem uma posição singular no mercado brasileiro de óleo e gás. Ainda dono de concessões em Minas onde busca gás, Viana é, de certa forma, responsável pela existência da HRT (vendeu para o empresário Márcio Mello os 55% de 21 blocos na bacia do Amazonas que deram início à empresa) e da OGX, para quem vendeu os blocos no Maranhão onde 1,1 trilhões de pés cúbicos (TCFs) de gás foram declarados como reservas provadas no ano passado.
Esse volume corresponde a 11,1% das reservas provadas de gás da Bolívia. No país vizinho as reservas totais se elevam para 18 TCFs se incluídas as reservas prováveis, segundo cálculos da consultoria Gas Energy. A explicação é importante porque ficaram famosas as declarações de Batista sobre descobertas de "meia Bolívia" de gás na área, quando na realidade o empresário faz referência à possibilidade de produzir ali - ainda não comprovados - 15 milhões de metros cúbicos de gás por dia. O volume equivale à metade da capacidade de transporte do Gasoduto Bolívia Brasil (Gasbol) e não às reservas totais do país vizinho.
O gás encontrado pela OGX no Maranhão vai suprir um projeto termelétrico da MPX que já tem 3,6 gigawatts com licença ambiental, dos quais apenas a metade já tem contratos de venda de energia. Em outubro do ano passado o empresário saiu da HRT ao vender os 45% que ainda detinha para a anglo-russa TNK-BP, por R$ 1,28 bilhão.
Na opinião de Viana, Eike Batista é um pioneiro que teve a tarefa de abrir uma frente na exploração privada de óleo e gás no Brasil e, por isso mesmo, ficou exposto ao que ele chama de processo de amadurecimento do mercado. E é justamente o que ele quer evitar ao manter a Petra longe do mercado, bem diferente da estratégia da OGX e da HRT. Segundo o empresário, " é melhor ter limitação de acesso a capital mas tranquilidade para trabalhar, do que ter mais capital com intranquilidade". Veja aqui os principais trechos da entrevista, feita por telefone e email.
Valor: Na sua avaliação, por que as empresas brasileiras de óleo e gás estão sendo punidas pelo mercado nesse momento?
Roberto Viana: Primeiro porque estamos numa conjuntura internacional de crescentes incertezas e forte retração. Segundo, o Brasil passou a ser duramente questionado pela imprensa, por analistas e investidores internacionais. Terceiro, não houve tempo para amadurecer uma cultura nas empresas de petróleo no mercado brasileiro de ações. A combinação desses fatores gera instabilidades com fortes movimentos negativos para as poucas empresas listadas.
Valor: O caso da OGX e outras empresas do grupo EBX, ao que o senhor atribui esse mau humor dos investidores?
Viana: Existe uma grande incompreensão sobre o papel do Eike. Ele é, sem dúvida alguma, o empreendedor que historicamente marca um novo paradigma empresarial em nosso país, pois não vem a reboque do Estado. Eike tem a coragem visionária de desenvolver grandes projetos puramente privados, estruturadores e transformadores, a exemplo do Complexo de Açu, bem como de criar um grupo empresarial com alta potência de integração. Além da incompreensão para tanta ousadia e ineditismo, o imenso sucesso do Eike provoca ressentimentos de várias formas, inclusive atiça o pecado capital da inveja. Esses e outros fatores se combinam para formar uma multiplicidade de ataques contra ele, sobretudo no atual momento do mercado.
Valor: Que medidas, decisões, declarações do controlador do grupo EBX, a seu ver, podem ter dado razão para uma compreensão equivocada por parte do mercado?
Viana: Lembro o exemplo do Parnaíba, que conheço muito de perto. Num certo momento o Eike falou sobre esses ativos e foi duramente questionado. A tal ponto que, pelo que tenho sido informado, a imensa maioria dos investidores não precifica adequadamente e no geral não atribui valor algum a este ativo de altíssima importância. Trata-se de uma patente irracionalidade do mercado pois, na verdade, o consórcio liderado pela OGX-MPX vai produzir volumes acima do que importamos dos bolivianos. Só para suprir os 3,6 gigawatts já licenciados pela MPX teremos capacidade instalada para produzir mais da metade do gás que importamos da Bolívia. E ao se introduzir o segundo complexo térmico de tamanho similar, ultrapassaremos o total que importamos da Bolívia.
A diferença extraordinária, que só aumenta o valor do projeto liderado pelo grupo EBX, é que não necessita ter a construção de gasoduto de transporte. O da Bolívia hoje custaria entre US$ 8 bilhões e US$ 12 bilhões, segundo a [consultoria] Wood MacKenzie. No Parnaíba foi criado um modelo em que o gás é utilizado no próprio local, assim gerando ainda mais valor. Ou seja, é aberração lógica os investidores desprezarem um ativo extraordinário como o Parnaíba. A Petra, por exemplo, não vende sua participação de 30% no Parnaíba por US$ 3 bilhões pois consideramos o potencial "upside" do ativo muito maior.
Valor: Onde acha que Eike Batista acertou ou falhou?
Viana: Mesmo antes da crise, o mercado reagiu de maneira muito negativa quanto ao Parnaíba e o Eike então se retraiu. Considero que o erro do Eike foi não divulgar mais o que está sendo construído no Parnaíba, pois em tempo recorde a OGX assegurou o volume capaz de gerar uma produção de mais de 6 milhões de metros cúbicos de gás natural por dia, o que significa aumento de 40% de todo o gás produzido no "onshore" brasileiro.
Outra contribuição histórica foi a MPX ter colocado o preço da energia térmica abaixo da hídrica de PCHs e isso demonstrou a importância que o gás natural irá assumir na matriz elétrica brasileira. Existem muitas outras contribuições marcantes com elevada geração de valor do grupo EBX no Parnaíba, mas o mercado não precifica adequadamente ou simplesmente despreza algo de altíssimo valor. Em resumo, não me parece haver racionalidade nesse comportamento dos investidores que agora vêm dizer que o Eike promete e não entrega. Sou testemunha direta no Parnaíba, o grupo EBX está entregando sim, muito acima do inicialmente esperado e antes do tempo, inclusive batendo recordes mundiais de performance.
Valor: Algum alívio por ter saído da HRT?
Viana: Na verdade houve o exercício de um direito de compra por parte da HRT em articulação com a TNK-BP. Tudo foi concluído de maneira adequada para todos.
Valor: Que perguntas recebe de investidores estrangeiros?
Viana: Há hoje, equivocadamente, uma grande perplexidade no exterior sobre o que está ocorrendo no Brasil. Tranquilizo os que me procuram mostrando que não houve nenhuma mudança dos fundamentos. Talvez antes o mercado tivesse romantizado demais nossas condições objetivas. Ocorre que o mercado é ciclotímico, subitamente tomado por irracionalidades perceptivas, geralmente seguidas de comportamentos coletivos erráticos. Quando a situação é boa então só vê maravilhas e quando está ruim só vislumbra desgraças. Isso é claramente insano, pois a realidade é muito mais contraditória e complexa, sempre plena de nuances.
Valor: Porque a decisão de manter a Petra uma empresa de capital fechado?
Viana: Não temos perspectiva de ir para mercado público exatamente porque entendemos que o mercado brasileiro ainda é muito imaturo e em formação, diria até mesmo em gestação. E considero que é melhor ter limitação de acesso a capital mas tranquilidade para trabalhar, do que ter mais capital com intranquilidade. Porque isso aí afeta demais a vida da empresa.
Valor: Diante da queda das ações da OGX, HRT, QGEP e a própria Petrobras, o que aconselha aos acionistas delas?
Viana: Recomendo cautela, sem precipitações e observando atentamente ativos, management e grupo empreendedor de cada empresa, sempre pensando no longo prazo. O setor de petróleo e gás natural, em particular, tem prazos de maturação muito longos e exige uma expectativa de retorno também de longo prazo por parte dos investidores.
Fonte: Valor