terça-feira, agosto 04, 2009

Yahoo tem crise de identidade após acordo com Microsoft

Carol Bartz, presidente-executiva do Yahoo, vinha mancando. Três semanas atrás, uma operação lhe deu um novo joelho, feito de titânio e plástico. Como resultado, ela continua a claudicar pela sede da empresa, e ocasionalmente se levanta para esticar a pena; um vidro de Percocet, um remédio contra a dor, está de prontidão sobre sua mesa.
O Yahoo também passou por uma cirurgia invasiva recentemente, vendendo sua divisão de buscas para a Microsoft, por uma porção inicial de 88% das receitas auferidas com publicidade vinculada a buscas, em um acordo com duração de 10 anos. Desde que a transação foi anunciada, uma semana trás, o Yahoo também vem claudicando; os investidores decepcionados acreditam que Bartz poderia ter conseguido termos melhores, e as ações da empresa caíram em mais de 15%.
Em uma longa entrevista na sexta-feira, antes de sair de férias, Bartz explicou que vendeu a divisão de buscas porque o Yahoo já não podia continuar a acompanhar o nível de investimento do Google e da Microsoft em serviços de buscas, um dos negócios mais lucrativos e tecnologicamente mais complexos da Web.
Ao reduzir os custos de marketing e infraestrutura associados ao serviço de buscas, o acordo também liberará verbas para que a empresa invista em outros negócios. Bartz planeja investir o dinheiro na publicidade online convencional, na criação de conteúdo e no desenvolvimento de tecnologia para Internet móvel.
"Minha primeira reação ao chegar aqui", disse ela, "foi a de que não discutiríamos um acordo sobre buscas antes que eu analisasse a estrutura de despesas e nossas opções reais, e determinasse qual é nosso principal trabalho - e o que viemos a decidir foi que a prioridade seria ampliar nossa audiência".
O Yahoo perderá alguns de seus mais talentosos engenheiros para a Microsoft, e fará cerca de 400 demissões de funcionários tornados desnecessários em função da venda. O acordo também põe fim a anos de investimento pela empresa em tecnologia de busca. Ao vender suas joias da coroa, em termos tecnológicos, a empresa também pode perder parte de sua credibilidade junto a funcionários e aos observadores do Vale do Silício, para não mencionar os consumidores. Mas o cerne do Yahoo continua intacto, diz Bartz. "Não evisceramos a empresa".
Dada a fuga de investidores do Yahoo, Bartz lamentou que sua empresa e a Microsoft tivessem fracassado em explicar melhor a Wall Street o relacionamento proposto. Ela atribui a culpa a ela mesma, por um comentário feito em uma conferência do setor de tecnologia, no sentido de que a Microsoft teria de pagar "carradas de dinheiro" para adquirir a divisão de buscas de sua empresa. A declaração, disse ela, ajudou a firmar uma expectativa de que o Yahoo receberia pagamento à vista de US$ 1 bilhão ou mais pela transação.
"Cometi um erro. Meu interesse jamais foi promover a transação para receber dinheiro adiantado. Isso não me ajuda a operar uma empresa", disse Bartz, apontando que pagamento desse tipo teria significativas consequências tributárias e que contribuiria com apenas US$ 3 milhões em juros anuais para os resultados reais da empresa.
Wall Street havia desenvolvido forte interesse pelas propostas anteriores, e mais lucrativas, entre Microsoft e Yahoo. No ano passado, em uma tentativa de melhorar seu serviço de buscas e concorrer melhor com seu maior rival, o Google, a Microsoft fez uma oferta de US$ 46 bilhões pela aquisição total do Yahoo. Os analistas calcularam que a nova transação - que envolve possivelmente o ativo mais importante do Yahoo - vale apenas entre US$ 4 bilhões e US$ 5 bilhões.
"É mais ou menos como pegar um quadro de Picasso e calcular que a tela custa US$ 200, a tinta US$ 300, e assim o preço certo de venda é US$ 500", disse Jeffrey Lindsay, um analista da corretora Sanford Bernstein. "Jamais vi investidores tão furiosos".
O presidente-executivo da Microsoft, Steven Ballmer, vem se esforçando muito para defender o acordo, em nome do Yahoo. Na semana passada, disse a um grupo de investidores reunidos na sede de sua empresa que "era um tanto inacreditável" que o Yahoo ficasse com proporção tão alta da publicidade gerada pelas buscas, sem ter de gastar nada em infraestrutura com as operações de buscas.
E Bartz argumenta que as ofertas mais generosas foram apresentadas em momentos econômicos muito mais generosos. Além disso, disse ela, os analistas subestimam os dois anos e meio que serão necessários para integrar os sistemas de publicidade e buscas das duas empresas. As companhias também enfrentam a difícil tarefa de obter aprovação das agências regulatórias, que agora estão estudando de perto a transação para determinar se existem irregularidades diante da legislação antitruste.
Bartz diz que recusou as primeiras abordagens de Ballmer, ao assumir o comando do Yahoo. "Ele ligou logo no meu primeiro dia", conta, "e eu disse que não queria falar com ele, e que nem tinha descoberto onde ficava o banheiro".
Quando Bartz por fim começou a negociar, Ballmer ofereceu duas opções: um grande pagamento à vista ou uma porcentagem maior da receita de publicidade vinculada a buscas nos sites do Yahoo. "Ele não estava disposto a pagar duas vezes", afirma Bartz.
Por fim, os dois executivos terminaram discutindo a transação nos mínimos detalhes em conversas telefônicas, o que incluía detalhes como a velocidade dos resultados de busca e do aparecimento de publicidade; em determinado momento, eles chegaram a discutir por uma diferença de apenas 200 milissegundos em seus requisitos. Bartz também lutou para reduzir a ênfase da marca Bing, do serviço de buscas da Microsoft, nos resultados de busca da Yahoo, e conseguiu que ela fosse apresentada apenas como um pequeno texto, sem logotipo; também pressionou Ballmer a garantir que o Yahoo preservasse o direito de vender publicidade convencional nessas páginas, a grandes anunciantes como Procter & Gamble e Unilever.
"Tive de convencer Steve quanto a nos deixar vender publicidade", diz Bartz. E enquanto isso, ela tinha muitas outras tarefas a realizar no Yahoo, que ela preside há oito meses e na qual identificou grande número de disfunções.
Para começar, o Yahoo não havia investido o bastante para criar uma infraestrutura de tecnologia de classe mundial, capaz de prover grande diversidade de serviços aos usuários. "Nós estávamos na verdade defasados com relação a investimentos", disse. "Deveríamos ter investido mais". Bartz também se queixou de uma falta de equilíbrio entre os diferentes grupos de produtos da empresa. Os funcionários motivados do site de esportes do Yahoo fizeram dele uma parada obrigatória para obter reportagens urgentes e comentários divertidos. Mas outras seções ficaram para trás.
Isso aconteceu em muitos casos devido ao que Bartz considera como comunicação insuficiente e barreiras internas entre as diversas unidades da empresa, nos Estados Unidos e no exterior, no que tange a compartilhar de vídeos e outras formas de conteúdo. "Tivemos de brigar durante 18 meses, aqui, para decidir que cara teria o botão de vídeo usado nos sites", ela afirmou.
Gastar dinheiro para resolver esses problemas lhe parecia mais sensato do que tentar investir de forma a acompanhar pesos pesados como Google e Microsoft.
A Microsoft investiu bilhões de dólares em infraestrutura e marketing para lançar seu novo serviço de buscas Bing. Até agora, ele foi bem recebido. Embora encorajada por algumas das inovações do Bing, Bartz considera que o Google logo se equiparará ao rival. "É essa a corrida armamentista da qual não queremos participar", diz.
Mas alguns investidores temem que o Yahoo possa estar abrindo mão do negócio mais lucrativo do século 21 - as buscas - em benefício de um segmento em retração e altamente competitivo, que talvez tenha chegado ao seu pico no século 20.
"Não creio que as peças sobreviventes sejam muito interessantes", disse Michael Lippert, administrador do fundo Baron iOpportunity, que adquiriu ações do Yahoo alguns meses atrás, na expectativa de uma parceria lucrativa quanto a buscas. Lippert se decepcionou com os termos do acordo, mas não se saiu tão mal da transação, já que seu fundo também detém ações da Microsoft, que subiram ligeiramente na semana passada. "Ballmer conseguiu um negócio ótimo para sua empresa"

Fonte: www.terra.com.br

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