domingo, março 25, 2012

Especialistas: “caça às bruxas” no caso Chevron assusta investidores


A dimensão que o caso da Chevron ganhou no Brasil, e atuação de vários atores na investigação do vazamento de petróleo, produzem uma reação desarticulada e “desproporcional” que pode assustar investidores estrangeiros, avaliam especialistas. Segundo analistas estrangeiros do setor, implicações criminais contra as empresas americanas Chevron e Transocean e multas altas lavradas antes da conclusão das investigações podem alimentar a percepção de um ambiente protecionista com relação à indústria do petróleo no Brasil, e adverso para investidores estrangeiros.

De acordo com Christopher Garman, diretor para América Latina da consultoria Eurasia Group, baseada em Washington, a impressão no exterior para quem não conhece o Brasil a fundo é a de que há uma certa “demonização” de empresas estrangeiras na indústria do petróleo e uma tendência do governo a restringir o setor a um monopólio da Petrobras. “A visão que se tem de fora lendo a cobertura da imprensa internacional é que está tendo uma caça às bruxas contra a Chevron”, afirma.

Garman diz acompanhar de perto a indústria e as políticas de petróleo no Brasil e considera que a impressão de protecionismo no setor não procede, mas vem recebendo questionamentos de seus clientes nos últimos dias e tem precisado assegurá-los de que o governo não pretende restringir a participação de empresas estrangeiras no setor.

De igual para igual
Na semana passada, a Chevron confirmou a ocorrência de um novo vazamento na área do Campo de Frade, na Bacia de Campos, na costa do Rio de Janeiro, próximo ao local onde 2,4 mil barris de petróleo vazaram em novembro do ano passado. Desde então, autoridades investigam as causas das novas fissuras e se estão relacionadas ao primeiro acidente. Thomas Pyle, presidente do Instituto de Pesquisa em Energia (IER), nos Estados Unidos, considera que a reação brasileira tem sido “desproporcional”. Sobretudo a ação criminal contra ambas as empresas e 17 de seus executivos, oficializada na quarta-feira, pode assustar o mercado global, afirma.

“Se o Brasil adotar uma mão pesada em relação a este episódio, pode mandar uma mensagem confusa para o mercado internacional e deixar a impressão de que está tratando a Chevron, uma empresa estrangeira, de forma diferente que a Petrobras, que é estatal”, considera. Para ele, isso poderia inibir a participação estrangeira em investimentos no pré-sal. Ele ressalta a importância de que as regras sejam aplicadas de maneira uniforme e consistente. “É preciso encontrar um equilíbrio em relação à regulação, ter segurança na resposta e assegurar que as empresas (estrangeiras) estão jogando de igual para a igual com a Petrobras”, diz.

A denúncia criminal veio depois de a Justiça Federal proibir, no fim de semana, 17 executivos e funcionários das empresas de deixar o país sem autorização judicial. Na segunda-feira, o Ministério Público Federal e a Polícia Federal acusaram a Chevron de ter adotado pressão superior à tolerada para perfurar o solo, causando o acidente. A hipótese está sendo investigada pela Agência Nacional do Petróleo (ANP).

No Rio de Janeiro para a posse da nova diretora-geral da ANP, Magda Chambriard, a presidente Dilma Rousseff disse que todas as empresas que exploram petróleo devem atuar com responsabilidade e segurança operacional. “As empresas que aqui vierem se instalar e as que já estão instaladas devem saber que protocolos de segurança existem para ser cumpridos. É necessário ficar dentro dos limites de segurança e, algumas vezes, até abaixo, mas nunca pressionados e jamais ultrapassados”, afirmou, sem citar diretamente a Chevron.

Ação desarticulada
Coordenador do Laboratório Interdisciplinar de Meio Ambiente da Coppe/UFRJ, La Rovere diz que o fato de o Brasil não ter, ainda, um Plano Nacional de Contingência impede a articulação necessária para responder ao vazamento. “Hoje o que vemos é uma ação muito desarticulada, porque não há uma clara atribuição de responsabilidade de quem faz o quê. Então todo mundo tenta resolver o problema ao seu modo, com os instrumentos que tem à mão”, afirma Emílio La Rovere.

Assim, enumera, o Ibama aplicou multas, a Justiça Federal determinou o confisco de passaportes de executivos das empresas e o MPF entrou com uma ação criminal. “Cada um usa a sua arma, mas para proteger o meio ambiente e dar uma resposta eficaz à sociedade, é preciso uma ação coordenada”, cobra ele. O advogado Guilherme Barbosa Vinhas, especialista no setor petrolífero, considera que “falta serenidade” na reação ao episódio.

“Acho que essa ansiedade dos órgãos de dar uma resposta e atender, ainda que de forma atabalhoada, aos anseios da sociedade, produz notícias erradas e ruins”, afirma. Ele acredita que a maioria das ações judiciais e processos administrativos não irão condenar as empresas “por absoluto equívoco técnico”, já que estariam lastreadas em informações imprecisas.

Confusão
Na tarde de quarta-feira, o Ministério Público Federal (MPF) formalizou a denúncia criminal contra as empresas americanas Chevron e Transocean e 17 de seus executivos por crime ambiental e dano ao patrimônio público. A Chevron classificou de “ultrajante” e “sem mérito” as acusações. Em comunicado, a empresa afirmou que vai defender “vigorosamente” seus funcionários e negou que tenha sido negligente ou imprudente no episódio.

A denúncia do MPF pode ser confundida com uma política de governo no exterior, considera Christopher Garman. Enquanto no Brasil o Ministério Público é um órgão independente, em muitos países, procuradores federais são ligados ao poder executivo. “Muitas vezes os investidores não reconhecem que o Brasil tem um sistema democrático complexo com vários atores independentes, cada um com sua própria agenda. A ação do Ministério Público não teve apoio ou simpatia do governo federal, mas o estrangeiro não reconhece que não é vontade do governo”, afirma.

“Acho que as pessoas no Brasil têm que se dar conta de que a leitura externa que está sendo feita de tudo isso é negativa, ainda que não condiga com a realidade”, afirma. Ele não acredita que a situação vá afugentar investimentos no Brasil, mas acha que pode passar uma impressão negativa também para empresas de outras áreas.

Da BP à Baía de Guanabara
Garman considera que, no contexto atual, qualquer acidente geraria um debate nacional, após o vazamento de quase 5 milhões de barris de petróleo em plataforma da BP, no Golfo do México, em 2010; e diante dos desafios da exploração do pré-sal. “O país está desenvolvendo uma nova fronteira de petróleo, com uma nova tecnologia em que ainda não há os padrões de segurança, e isso gera uma ansiedade no público. Toda essa ansiedade gerou esse ambiente”, afirma.

Depois do acidente da BP, a discussão de um Plano Nacional de Contingência para acidentes no setor voltou a ser discutida no Brasil. Mas Emilio La Rovere lembra que o mesmo ocorrera 10 anos antes, após o vazamento de petróleo na Baía da Guanabara, em 2000. Desde então, o Brasil discute, e adia, a aprovação de um plano de contingência. “Estamos com um cenário em que a produção de petróleo deve ser triplicada nos próximos 10 anos. Obviamente, isso triplica também a probabilidade de acidentes, que ocorrem com certa frequência no mundo todo. Não é risco zero. Por isso, é preciso estar muita alerta ao que vai acontecer no Brasil nessa área”, frisa.

Fonte: BBC Brasil (Júlia Dias Carneiro )

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