A maior parte do mundo online se baseia em um acordo simples, se não pouco claro: consumidores navegam de graça pelas páginas da web e, em troca, fornecem dados - como sexo ou renda - que os sites usam para direcionar sua publicidade.
O novo chefe do Birô de Proteção ao Consumidor da FTC (comissão americana que supervisiona o comércio), David C. Vladeck, considera que está na hora de mudar. Em entrevista, Vladeck traçou planos que podem sacudir o ecossistema da propaganda online. As políticas de privacidade se tornaram obsoletas, os padrões da FTC nos casos que avalia são estreitos demais e certos monitoramentos online são "Orwellianos", disse Vladeck.
Após oito anos de uma FTC considerada pró-negócios pelo setor e por defensores da privacidade, Vladeck causou impacto. Em junho, a comissão concluiu um caso envolvendo a Sears que foi um alerta a empresas que pensam estar protegidas sob suas políticas de privacidade.
Com pouco mais de seis semanas no cargo, ele requisitou ao Congresso maior orçamento e uma forma funcional para criar regulações. Anunciou ainda que contratará tecnólogos para a análise do monitoramento online realizado pelas empresas.
"Essas são medidas bem agressivas para uma agência sob nova gestão", disse Charles Kennedy, que lida com casos de privacidade na Morrison & Foerster.
Alguns executivos afirmam estar cautelosos com o excesso de intervenção. "Precisamos ter muito cuidado para não dar passos que possam perturbar a economia da internet", disse Stuart P. Ingis, sócio do escritório de advocacia Venable e conselheiro de um consórcio do setor de publicidade.
As primeiras medidas de Vladeck foram criticar duramente os princípios de autorregulação propostos pelo setor e se reunir com empresas para discutir as diretrizes da publicidade online. "O marco legal historicamente usado para a privacidade não é mais suficiente", disse Vladeck.
Embora o tema da privacidade seja novo para Vladeck, ele aparenta ter aprendido rápido; não faz consultas durante uma entrevista. Professor de direito na Georgetown por sete anos, ele também passou 26 anos como litigante do Public Citizen Litigation Group, um escritório de advocacia de interesse público. "Existe um senso de urgência aqui", disse. "Não acredito que os consumidores estejam suficientemente protegidos sob o atual regime".
Ele disse que sua missão mais ampla é redefinir a forma pela qual a FTC encara a privacidade online. Segundo ele, seus predecessores na agência tinham abordagens diferentes na regulação do comportamento virtual, como observar se as empresas estavam causando prejuízo ao consumidor e instruí-las a redigir políticas de privacidade.
O caso da Sears sugere que Vladeck adotou uma nova abordagem. A Sears havia oferecido US$ 10 a consumidores que baixassem um programa em seus computadores, informando que ele monitoraria sua navegação. A FTC disse que o software também coletava informações como receitas médicas e extratos bancários. A Sears fez um acordo com a comissão em junho.
Não foi, porém, um caso que causou prejuízo econômico. Ao invés de tomar dinheiro de consumidores, a Sears estava pagando para monitorá-los. "Sob o critério do prejuízo, não poderíamos ter aberto esse caso", disse Vladeck. (Embora ele ainda não pertencesse oficialmente à comissão e o caso estivesse em andamento antes de sua entrada, Vladeck foi consultado na época do anúncio do acordo.)
Agora, indicou Vladeck, a FTC começará a considerar não só se há dano monetário, mas também se a empresa violou a dignidade do consumidor. "Há um lado importante da dignidade implícito em ter alguém checando seus registros financeiros apesar de isso não lhe dizer respeito", disse.
O caso Sears também assinalou o fim da presumida posição da comissão de que as empresas estariam protegidas contanto que redigissem políticas de privacidade detalhadas. A Sears havia incluído informações sobre monitoramento em seu acordo de licença do usuário, porém isso não é mais o bastante, considera Vladeck.
"Não acredito que a maioria dos consumidores leia ou, se ler, entenda esses acordos", disse. Vladeck sinaliza mudanças, mas não especificou quais serão, nem disse que necessariamente apoia novas regras.
"Não estamos nos comprometendo com a imposição de regulações", disse. "O que gostaríamos é de encontrar instrumentos úteis e uma forma mais ampla de olhar para a proteção à privacidade que pudessem evitar a necessidade de regras".
Em fevereiro, antes de Vladeck se juntar à FTC, o órgão publicou um relatório sobre o que esperava de empresas de propaganda online. Grupos setoriais se mexeram para responder com seu próprio relatório, publicado em julho, destacando como eles se autorregulariam. Suas opiniões de certa forma estão de acordo com as de Vladeck, mas se diferenciam em áreas importantes. Por exemplo, Vladeck estuda exigir que sites coletando dados pessoais peçam o consentimento do consumidor todas as vezes que o mesmo visitar a página (um "opt-in").
Mas as empresas afirmam que a tática seria desastrosa. "É impossível explicar a proposição de valor a um consumidor no momento do anúncio", disse Matt Wise, chefe-executivo da Q Interactive, uma empresa de marketing online de Chicago. Um opt-in obrigatório "seria um tremendo golpe à inovação", disse.
As mudanças que Vladeck está estudando podem resultar em um mundo virtual diferente, onde sites não poderão depender do dinheiro de anúncios direcionados. Mas será que um site poderá recusar o acesso a pessoas que não estão dispostas a fornecer dados?
Vladeck disse que a FTC teria que considerar se isso significaria um tratamento injusto ao consumidor por parte das empresas, mas, acima de tudo, ele afirmou não estar preocupado com os problemas que isso representaria aos profissionais de marketing.
"Deixe as pessoas julgarem livremente", disse. "Se os marqueteiros estiverem certos e consumidores de fato gostarem da publicidade comportamental, então isso não deverá ser algo tão importante. "A mensagem é: você precisa ser mais transparente no que está fazendo".
Fonte: www.terra.com.br
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