Sara Nelson, ex-editora da Publishers Weekly, participava de um jantar quando Ed Rollins, consultor de campanha do partido republicano, chegou com um "E eu disse apenas: 'posso vê-lo?'", conta Nelson, também a autora de So Many Books, So Little Time ("Tantos livros, tão pouco tempo"). "Durante esta lua-de-mel com o Kindle - quando muita gente não tem um - você ainda pode ver o que alguém está lendo com a desculpa de estar conhecendo o aparelho." (Para registro, o Kindle de Rollins estava entupido de jornais do dia.)
Nelson possui um Kindle e um Sony Reader. E, para ela, a posse de um leitor de livros eletrônicos, embora não necessariamente uma medalha ao mérito literária, pelo menos passa a idéia de um compromisso com os livros.
"É muito caro", disse sobre o Kindle 2, que a Amazon vende por US$ 359. "Se você vai pagar isso, está declarando ao mundo que você gosta de ler - e que provavelmente você não está usando o aparelho para ler livros comerciais baratos."
Mas para outros escritores e editores, o Kindle é a má idéia derradeira que deve desaparecer. Anne Fadiman ficou aliviada ao descobrir que a coletânea de ensaios que escreveu, Ex Libris, não estava disponível no Kindle. "Seria irônico se estivesse", disse sobre o livro, no qual ela evoca sua paixão eterna por livros como objetos.
"Existe uma caixinha na Amazon em que se lê: 'Avise a editora que você quer ler este livro no Kindle'", ela disse. "Espero que ninguém avise a editora."
O mercado editorial está envolvido em questões de peso sobre o Kindle e outros aparelhos semelhantes: eles vão ajudar ou atrapalhar a venda de livros e o avanço de escritores? Vão canibalizar o setor? Fundir-se a ele?
Ora, eles estão ignorando o que realmente importa: como o Kindle vai afetar o esnobismo literário? Se você tem 1,5 mil livros em seu Kindle - é quanto ele agüenta -, isso faz de você mais ou menos bibliófilo do que se tivesse os mesmos 1,5 mil livros em sua prateleira? (Para continuar com o argumento, vamos supor que você chegou a ler alguns deles.)
A prática de julgar as pessoas pela capa de seus livros é antiga e consagrada pelo tempo. E o Kindle, que se parece com um tipo gigante de calculadora branca, é o equivalente tecnológico a um papel de embrulho impessoal. Se as pessoas se livrarem de suas coleções de livro ou pararem de comprar novos volumes, vai ficar extremamente difícil formar opiniões rápidas sobre elas quando entrarmos casualmente em suas salas.
"Sempre observo quantos e quais livros estão nas prateleiras", disse Ammon Shea, que passou um ano lendo todo o dicionário de inglês da Oxford e publicou um livro sobre ele. "É a versão intelectualóide de fuçar o armário de remédios de alguém."
É uma aposta segura dizer que o Kindle não vai atrair pessoas que raramente pegam um livro ou, no outro extremo do espectro, aquelas que procuram primeiras edições em feiras de livros antigos. Mas quanto a avaliar um estranho de longe, talvez o maior problema do Kindle e de seu tipo seja o fator de camuflagem: quando ninguém consegue saber o que você está lendo, como deixar claro que você está se aprofundando na nova biografia de Lincoln ao invés de, digamos, Ele Simplesmente Não Está a Fim de Você?
"Você perde todas essas coisas maravilhosas ao não ver o livro físico?", questionou Kurt Andersen, romancista e apresentador do programa de rádio Studio 360. "Com certeza. Mas não acho que seja o fim do mundo. Pelo menos as pessoas ainda pagam 10 paus pelo livro." (A maioria dos livros para o Kindle custa US$ 9,99 na Amazon.com.)
Andersen se orgulha de viver em um lar com dois aparelhos Kindle. "Dar às pessoas uma nova forma de ler livros é bacana e bom", declarou.
Para alguns amantes de livros e editores, existem inúmeras razões para repudiar o Kindle. As editoras não vão conseguir aquele empurrãozinho que acontece quando viajantes vêem alguém lendo, digamos, o último James Patterson e dizem para si mesmos: "Faz tempo que quero um. Acho que vou comprar uma cópia antes de pegar o trem".
E, com os livros deixando o papel, está decretada a morte do início de conversa no estilo: "Ah, vejo que você está lendo o último (inserir nome do autor ilustre)".
Michael Silverblatt, apresentador do semanal radiofônico Bookworm, usa o termo "desejo literário" para descrever a atração que ocorre quando vemos um estranho lendo seu livro ou escritor favorito. "Quando era um adolescente na fila de uma mostra de filmes no Museu de Arte Moderna e via alguém carregando um livro que adorava, eu começava a fantasiar sobre sermos melhores amigos ou amantes", disse.
David Rosenthal, vice-presidente-executivo e editor da Simon & Schuster, lembra do advento das brochuras Vintage, uma linha de literatura de ficção que "cabia perfeitamente no bolso de sua calça Levi's com o título aparecendo, como uma forma de divulgação do tipo de intelectual que você era".
Ele usa um Sony Reader para os manuscritos, "pois é mais fácil do que carregá-los para casa", mas não lê livros por prazer no aparelho. "É certamente conveniente, mas ainda não cheguei a ler um livro publicado e finalizado nele", disse Rosenthal. "Para mim, é estranho ter um painel de metal ao invés de um livro."
Ellen Feldman, que escreve literatura de ficção, se preocupa com o que acontecerá com a ligação inexplicável entre amantes de livro se o Kindle se tornar generalizado. Ela estava almoçando em um restaurante em Upper East Side quando viu um homem na mesa ao lado lendo a coletânea completa dos poemas de Emily Dickinson.
"Comecei a examiná-lo", disse Feldman, cujos romances incluem Scottsboro e O Menino que Amava Anne Frank. "Tive várias fantasias - tentei lembrar se havia uma faculdade nas proximidades, onde talvez ele fosse um professor."
Nicholson Baker, que escreve ficção e não-ficção, se sente da mesma forma, embora se defina pelo conteúdo de sua biblioteca (física). Há alguns anos, ele chegou a um emprego temporário com uma cópia de Ulisses. "Queria que soubessem que eu não era só mais um temporário", disse, "mas um temporário que estava lendo Ulisses".
Atualmente, conta, ele "vibra se alguém lê meus livros. Não importa de qual forma".
Devido ao estado financeiro sofrível do mercado de livros, a maioria dos escritores pode estar deixando de lado seu preconceito. Chris Cleave, romancista que tem uma coluna no jornal The Guardian, deixa a coisas às claras. "Amo meus leitores e quero que eles leiam meu material", disse. "Distribuiria meus livros escritos a mão se necessário."
Fonte: www.terra.com.br
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