Quando Ed Shadle era menino, era possível comprar um carro velho por US$ 200, desamassar a carroceria com um martelo, equipá-lo com um motor poderoso, pintá-lo de vermelho brilhante e levá-lo aos subúrbios da cidade para disputar rachas de semáforo a semáforo, até que a polícia chegasse para acabar com a diversão.
Shadle tem 67 anos agora e se aposentou como engenheiro de campo da IBM. Mas continua a correr. Há 10 anos, ele e seu amigo Keith Zanghi compraram mais uma daquelas velharias no Maine, repararam os amassados, alteraram alguns detalhes externos, instalaram um motor poderoso e pintaram o veículo de vermelho.
Acontece que o veículo é um caça Lockheed F-104 Starfighter, um interceptador monoturbina que dominou os céus nos anos 50 e 60, atingindo velocidades até Mach 2,2.
"No mundo pós 11 de setembro, dificilmente nos deixariam comprá-lo", diz Shadle. Mas, em 1999, eles saíram do ferro-velho com o avião, pagando US$ 25 mil.
E no ano que vem, talvez em 4 de julho, o dia da independência dos Estados Unidos, eles planejam levar o North American Eagle ao deserto de Black Rock, Nevada, e bater com ele o recorde de velocidade terrestre, correndo a cerca de 1.300 km/h, ou 80 km/h acima da velocidade do som. Shadle será o piloto.
O Eagle está enfrentando séria concorrência. No ano passado, Richard Noble e Andy Green, do Reino Unido, que romperam a barreira do som ao estabelecer o recorde de 1.227 km/h em 1997, anunciaram o projeto Bloodhound, um programa de três anos para construir um carro acionado por foguetes e jatos e capaz de velocidade da ordem dos 1.600 km/h.
O Bloodhound conta com patrocínio do setor privado, apoio técnico de universidades e algumas verbas de financiamento educacional do governo britânico. O Eagle, de sua parte, conta com 44 voluntários que dedicam férias e finais de semana a construir o mais poderoso dos carros envenenados.
Doadores ofereceram equipamentos e contribuições técnicas vitalmente importantes para o Eagle, mas como a maior parte dos voluntários eles o fazem basicamente por diversão. Zanghi diz que ele e Shadle investiram cerca de US$ 250 mil no Eagle, ao longo dos últimos 10 anos, com apenas uma idéia em mente: "O que desejamos", diz Shadle, em voz rouca e com um meio sorriso cinematográfico, "é andar rápido".
Era essa a idéia em um domingo recente no aeroporto de Spanaway, uma pequena pista de pouso privada alguns quilômetros ao sul de Tacoma, Washington. O Eagle chegou por volta das 10h em seu reboque personalizado, e uma hora mais tarde estava posicionado de maneira resplandecente sobre o asfalto da pista. Do nariz à cauda, o comprimento é de 17,06 metros, e o peso é de 5,9 toneladas. O veículo é acionado por uma turbina a gás General Electric LM1500, mais conhecida como J79 quando acionava o F-104.
A turbina foi emprestada pela S&S Turbine Services, uma empresa canadense que reconstrói J79s para repressurizar poços de gás natural. A turbina atual foi alterada de forma a gerar 42,5 mil HP de potência, mas para o recorde a S&S está preparando um motor que ficará perto dos 50 mil HP.
As regras são simples: cronometre a velocidade do veículo em percurso medido de uma milha (1.609 metros); inverta a direção, fazendo o mesmo percurso no sentido oposto; e extraia a média das duas velocidades. Shale diz que o Eagle precisaria percorrer cerca de 13 quilômetros em cada direção: dois quilômetros para se aquecer e atingir velocidade de 250 km/h, mais seis quilômetros para acionar o pós-queimador e levar o veículo à velocidade de recorde, uma milha no percurso medido e mais oito quilômetros para parar.
O veículo precisa ter no mínimo quatro rodas, duas das quais direcionáveis, e retornar ao ponto de partida em 60 minutos. E é tudo. "Na Fórmula 1 ou Nascar, as regras são grossas como a Bíblia; aqui, apenas meia página", diz Shadle.
Mas considerem os desafios envolvidos: a borracha dos pneus se derrete a velocidades superiores a 560 km/h, de modo que o Eagle utiliza rodas especiais de liga de alumínio, com ranhuras para melhor tração em superfícies macias. Elas não funcionam no asfalto ou concreto. Os freios são ímãs de ligas especiais que geram potência de frenagem equivalente a 4,7 mil HP, à medida que o tambor magnetizado se aproxima da roda de alumínio, desacelerando-a gradualmente sem jamais tocar nela. O grande imponderável é a barreira do som. No céu, a onda de choque simplesmente se dissipa. Mas em terra ela pode se refletir no chão e lançar o veículo ao ar. Porque cada carro é único, o problema precisa de uma solução diferente a cada tentativa. A modelagem em computador ajuda - mas apenas até certo ponto.
Noble, do projeto Bloodhound, conhece bem o desafio.
"Nós o fizemos uma vez, e agora temos de repetir", ele disse em entrevista por telefone. "As forças são imensas - havia uma força de 15 toneladas exercida contra a frente do veículo, ao estabelecermos o recorde. É preciso dedicar muito tempo à aerodinâmica".
Fonte: www.terra.com.br
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